Um jovem maltrapilho, acompanhado por meia dúzia de mendigos, entra na sede da Igreja Católica em Roma e aproxima-se do Papa que despachava com os Príncipes da Igreja.
A guarda papal o impede. O Papa ordena que o permitam aproximar. O jovem agacha-se para beijar os pés do Papa. Este o impede e, para surpresa de todos os presentes, agacha-se ele mesmo e beija os pés do jovem mendigo. Levanta-se, vira aos atônitos príncipes e diz:
- Enquanto nos preocupamos em saber onde está o pecado capital, esquecemos de enxergar a inocência original.
A cena foi de um filme de Zefirelli, Irmão Sol irmã Lua. O jovem era Francisco, filho da pequena cidade de Assis, na Itália. Fora buscar a bênção do Papa para a ordem que fundara, a dos franciscanos.
Eu estava no aeroporto de São Paulo. Enquanto aguardava o avião, a fome bateu.
A noite anterior houvera sido insone, como são usuais nas minhas noites.
Sempre nas noites de insônia a vida nos vem à mente com mais exação e, pelo cansaço que nos toma, costumamos analisá-la com certa dose de amargura. Noites de insônia são noites de decisões tomadas e quase nunca exercidas quando chega o dia.
Resolvi fazer uma homenagem ao meu diabetes que estava em alta: rumei ao MacDonalds e ordenei um cheesburger acompanhado de um milkshake grande. Morrer disto ou daquilo... pensei eu, e dei de ombros à indesejada das gentes.
Em uma mão o notebook, meu fiel companheiro de viagens, na outra a maleta, e nas duas equilibrava, com dificuldade, a bandeja com as guloseimas rumo à mesa mais próxima.
Súbito alguém surgiu-me a frente e me tomou delicadamente a bandeja das mãos oferecendo ajuda.
Uma mocinha de cor - lembrei minha avó paterna, que diria dela: preta que brilha - não mais que 18 anos.
Franzina. Seu rosto suava. Olhei e permiti: era a moça que limpava as mesas e o chão, na lanchonete.
- Você é uma dama menina, não teria que fazer isto. Disse-lhe ao sentar.
Ela depositou a bandeja na mesa e sorriu. Tomou do escovão e continuou seu trabalho.
Olhei-a naquele movimento rítmico de limpar o piso. Levantei. Perguntei-lhe quanto ganhava ali. Ela me olhou sem entender.
- Só curiosidade. Respondi.
- Cento e vinte. Disse meio tímida, o escovão esperando...
- Continue sempre assim, ajudando quem está em apuros...
Puxei R$150,00 e estendi a ela.
- É pra você.
Seus olhos se espantaram, olhou em volta. Recusou louca para aceitar. Insisti:
- Tome menina, compre algo para você. É um prêmio por ser uma lady.
Ela estendeu a mão ainda hesitante e recebeu. Virei-me para terminar o lanche, ouvi um soluço. Ela não se contera e se desmanchava em prantos, escorada no escovão.
Voltei. Perguntei o que ocorrera. Ela só conseguia dizer que precisava demais daquele dinheiro.
Alguém da lanchonete a levou para dentro. Voltou depois e me confessou que seu pai estava sem emprego e havia, ela mesma, recebido a conta também. Seria seu último dia de trabalho ali.
Engoli com o milkshake as lágrimas que não ousei chorar.
Ela voltou ao escovão. Levantei e disse adeus.
- Deus lhe pague doutor!
- Ora minha filha, na minha conta corrente com Ele meus débitos estão altíssimos, obrigado a você por ter me permitido depositar um pequeno haver.
Ela sorriu e continuou a escovar o chão. Fazia aquilo com dedicação. Afinal, era o seu último dia ali.
4 comentários:
To chateada comigo, escrevi tanto sobre essa crônica, mas como sempre não li até o final que tinha que ter uma conta gmail e acabei não lhe enviando o comentário que fiz e como penso e escrevo NUNCA vou escrever o que tinha escrito, pois foi sob emoção, resumindo chorei ao ler a crônica, pois sempre choro quando me depara com a inocência, talvez por ter perdido a minha. Admiro muito o sr. e as suas aulas de Direito na CCJ, me delicio(Katia Reis). Já deveria ter esse site há muito tempo, pois ajuda muito a elevarmos nosso conhecimento e nos melhora os dias não tão fáceis. Como o sr. adivinha a carta? Amei os conselhos do Bilionário Americano, e as Manias, poxa tenho tantan uma e de ir escrevendo de várias coisas que leio, amei saber que todos têem manias. Deputado aceite a minha tietagem como uma cidadã comum que lhe respeita elhe admira muito.
Fiz o primeiro comentário e perdi pela minha pressa em postar, pois me pediram que criasse uma conta; criei coloquei minha senha e agora vocês me dizem senha incorreta, mas acabei de criar, como posso errar assim?
Só para complentar, será que não é por isso que sempre tem 0 comentários, pois as matérias são muito interessantes, confesso que não entendo muito, mas por favor me ajude a postar meus comentários
Olá Katia,
Obrigado pelo comentário.
Mas, você não precisa abrir uma conta no GMAIL para comentar: é apenas um pedido que o Google faz.
Basta inserir os caracteres e escolher uma das 3 opções (Open Id, Nome/URL, anômimo e clicar em publicar.
Mais uma vez obrigado e volte sempre.
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