27/09/2009

Nós frankensteins

frnak
 
Eu devia ter uns quinze anos quando li o Frankestein, de Mary Shelley. Até então, confundia, como muitos que nunca leram a obra, a criatura com o criador.
 
Mary Shelley escreveu o livro em uma noite e tinha dezoito anos. Colocou todo o talento que tinha nele. Foi sua única obra de valor, como estes cantores que fazem sucesso com uma única música e somem do mundo sem avisar.
 
Vários filmes se fizeram com a obra. Todos deram à criatura uma aura de perversidade que virou marca registrada.
 
O nosso lado bizarro, que prefere o patético, dificilmente consegue ver a ternura que pode estar contida nas mais ínfimas criaturas.
 
Os cineastas preferiram usar a criatura e sua maldade em primeiro plano, isso impressiona mais a plateia, preterindo a verdadeira concepção do relacionamento do Dr. Frankenstein, o criador, com a criatura, que metonimicamente também chamam de Frankenstein, mas que na verdade nunca teve um nome.
 
Este último filme, onde Keneth Branagh é o Dr. Frankenstein e Robert de Niro, em ótima performance, é a criatura, embora peque muito pela fotografia, tendendo à caricatura, foi o que mais se aproximou da obra original.
 
Os diálogos entre criador e criatura, embora curtos, conseguem reproduzir, com quase perfeição, os ambientes descritos por Mary Shelley.
 
Faz lembrar o livro a cena em que os dois, sentados um frente ao outro, no topo de uma montanha coberta de gelo, quando a criatura pede ao criador que lhe faça uma companheira, como ele, por não mais aguentar tanta solidão.
 
Uma companheira era a forma dele poder dar o amor que tinha em si e todos, devido ao seu aspecto, se negavam a receber.
 
Diante da negativa do criador em criar-lhe uma companheira, a criatura constrói uma resposta profunda e tão humana:
 
- Se eu não puder dar o imenso amor que tenho em mim, darei ao mundo toda a grandeza do meu ódio.
 
Já sabia a criatura que o amor e o ódio são duas faces de uma mesma moeda.
 
O Dr. Frankenstein, no afã de realizar seus próprios ideais, como muitos de nós, jamais considerou a consequência dos seus atos.
O criador e a sua criatura são, na verdade, uma metáfora da própria criação do homem.
 
Tudo o que queria, o jovem médico, era criar um ser a sua imagem e semelhança, mas, como o Outro Criador, perdeu o controle do que criou.
 
O que é o homem senão uma criatura cheia de contradições, dúvidas e incertezas? Capaz de atos de amor e de ódio, de uma bondade enorme, de uma maldade incomensurável.
 
Se é fato que Deus criou o homem a Sua imagem e semelhança, é também fato que o homem se distanciou infinitamente Dele, ou Ele de nós.

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